O espectáculo
dos Hindus que rezam nas margens do Ganges em Benarès ou dos
Muçulmanos do Magrebe que param qualquer trabalho e se prosternam
em plena rua ao apelo do muezzin coloca sempre ao homem de cultura ocidental
uma questão fundamental. Será mesmo o Cristianismo um
caminho privilegiado para se chegar a Deus? As outras religiões
não serão igualmente boas? A escolha de uma religião
não será uma questão de temperamento, de civilização
e, em última instância, de lugar de nascimento? Para tentarmos
responder a estas perguntas, examinaremos sucessivamente:
I - A atitude do homem
em busca de uma religião.
Il - O quadro dos diversos
tipos de religião entre as quais é possível escolher.
III - Algumas sugestões
práticas para conduzir a procura.
EM BUSCA DE UMA RELIGIÃO
Podemos levantar a questão
da pluralidade das religiões apenas por curiosidade, mas uma
tal atitude de espírito apenas permite um olhar superficial sobre
o facto religioso. Tudo se torna diferente quando o homem que se interroga
sobre isto, já está em busca de Deus. Com efeito, nesse
momento já ele terá descoberto que o Absoluto é
uma pessoa perfeitamente livre e soberana. Deseja encontrá-Lo
mas sabe que Deus não pode ser alcançado fora de um encontro
concreto que Ele próprio marca com cada um. Por isso, o homem
tem de interrogar aqueles que se dizem enviados de Deus para saber se
a sua missão é realmente verdadeira. Contudo, sente-se
derrotado perante a multiplicidade de testemunhos que se lhe oferecem.
a) Elementos
comuns em perspectivas contraditórias
Uma primeira solução
parece muito simples. Em todas as religiões encontramos ritos
semelhantes (refeições, purificação),
orações do mesmo tipo (adoração, súplica,
acção de graças), imagens aparentadas (criação,
catástrofe inicial, fim do mundo, realeza divina), instituições
comparáveis (sacerdócio, ensino, consagração
a Deus). Mas, ao mesmo tempo, observam-se opções religiosas
contraditórias. Não será isso o sinal do mal
que rói o coração dos homens? Não seria
melhor reduzir todas as religiões a um denominador comum para
nele descobrir a marca de Deus? Mas fazer isso seria empobrecer incrivelmente
a mensagem de cada uma delas. Equivaleria a estabelecer o retrato-robot
de um homem que se assemelharia a uma centena de indivíduos
tomados ao acaso.
b) A
personalidade de cada religião
Pelo contrário,
temos de nos lembrar que, numa religião, é o homem que
procura exprimir o seu contacto com Deus a partir de formas humanas
de agir. São como que uma língua cujo vocabulário
não é infinito. É muito normal que, para exprimir
uma purificação, as pessoas se sirvam espontaneamente
do símbolo do banho, ou que a autoridade tome a figura de um
rei, ou que a criação apareça como uma fabricação
do mundo por um Deus artífice. O que conta então não
são as imagens utilizadas mas o seu sentido como síntese,
a relação com Deus que elas incarnam. Cada religião
tem a sua personalidade, a sua originalidade. É no mais profundo
de cada uma que é preciso procurar o eco de Deus. Só
que, se Deus é único, não parece possível
que Se revele aos homens de maneira contraditória. Portanto,
na medida em que se opõem, as religiões não podem
ser todas reveladas de maneira equivalente. Como se pode então
conciliar isso com o facto de que um Deus único seja o Deus
de todos os homens? Não será escandaloso que Ele Se
revele apenas a alguns privilegiados? Por detrás desta pergunta
está escondido um pressuposto: cada homem deseja, mais ou menos
conscientemente, que a revelação divina lhe aconteça
sem intermediário, à maneira de uma "estrada de
Damasco" que o obrigasse a crer. Mas forçar Deus a intervir
no mundo deste modo uniforme seria imitar a Sua liberdade e o Seu
poder. Parece, pelo contrário, muito mais de acordo com a Sabedoria
divina que Deus respeite as liberdades que Ele mesmo criou e que as
encarregue de transmitir uma revelação confiada a alguns.
Por isso, à acção propriamente divina, há
que acrescentar as contra-correntes criadas pela preguiça,
pelo egoísmo, pela ignorância, pela fraqueza e pelo pecado
dos homens que fazem eco a essa acção. Isto chega para
explicar a multiplicidade das religiões.
c) Descobrir
uma ordem de valores
Levando ao limite as explicações
precedentes, seremos tentados a afirmar que todas as religiões
se equivalem, que elas são como veredas que, todas elas imperfeitas,
convergem para o único cume da montanha. É evidente
que podemos formular esta hipótese mas, mais uma vez, ela reduz
o acto da revelação a uma acção única
da liberdade divina, repercutida de diversos modos, todos equivalentes.
Ora podemos igualmente supor que Deus, com uma pedagogia suprema,
não se revele plenamente à primeira mas aja com cautela,
preparando pouco a pouco a humanidade para a Revelação
definitiva. Só uma tal hipótese corresponde perfeitamente
ao facto religioso judaico-cristão. Supõe que as religiões
não tenham todas o mesmo valor. Cada uma delas apresenta uma
atitude mais ou menos perfeita perante o Absoluto divino; e, ao mesmo
tempo, anuncia e promete a plenitude da sua figura histórica
limitada.
Pertencer a uma dada religião,
aderir a ela com todas as suas forças, é pois ser animado
por um impulso divino que conduz à busca. Suponhamos um Hindu
que venha em peregrinação a Benarés. Pratica
desse modo um acto autêntico de adesão a Deus mas, para
ser verdadeiramente religioso, é preciso que descubra que não
é um gesto mágico ou supersticioso que lhe garantirá
a salvação. É preciso que espere uma graça
divina que ultrapasse tudo o que ele experimenta nos ritos que efectua.
Em certas circunstâncias, o indivíduo chegará
mesmo a captar razões suficientes para deixar a religião
em que nasceu e adoptar uma outra que lhe pareça melhor. Em
outros casos, tais razões só podem ser descobertas por
um observador que se situe numa religião mais alta. É
assim que os Judeus e os Muçulmanos compreendem melhor as insuficiências
do feiticismo do que os pagãos que vivem subjugados pelo terror
do seu feiticeiro.
Nas páginas que
se seguem, é um cristão que examina as diversas atitudes
religiosas para tentar encontrar a verdade que existe em cada uma
delas, bem como o desejo de busca de Deus que as anima e cujo principal
veio ele encontra na História Sagrada judaico-cristã.
OS TIPOS RELIGIOSOS FUNDAMENTAIS
O estudo das diversas religiões
permite classificar em dois tipos fundamentais a atitude do homem perante
o Absoluto.
Nas religiões naturais,
o homem descobre Deus como criador a partir dos seus vestígios
no universo. Responde a este conhecimento com uma reacção
espontânea. Mas, nesse momento, toma consciência das suas
diversas aspirações insatisfeitas e enfrenta o problema
do mal e do sofrimento. O esboço de solução que
encontra na sua religião revela-se inadequado e obriga-o a uma
nova busca.
As religiões vindas
do Antigo Testamento reconhecem Deus a partir da Sua intervenção
na história, em que Ele escolhe um povo, o guia e o salva. O
Judaísmo e o Islão encontram o sentido desta história
na "Palavra de Deus", sob a forma de um Livro. O Cristianismo
crê que esta Palavra divina se realizou plenamente no Homem-Deus:
Jesus Cristo.
A
- As religiões naturais
Nas religiões naturais,
os comportamentos de homem perante a divindade distinguem-se de acordo
com a importância que elas dão, como fontes para o conhecimento
de Deus, à mensagem das forças da vida, à da consciência
humana ou ainda à constituição social da humanidade.
1)
As religiões primitivas
Nas religiões ditas
Primitivas, Deus é percebido como o autor da vida. É,
por isso mesmo, o senhor da morte. Para se salvar da desgraça,
é preciso comungar da força divina e penetrar nos seus
segredos.
a) Entre os
povos recolectores, a divindade é sentida como uma Providência
que garante ao homem a sua ração quotidiana, graças
aos frutos que ele encontra na floresta.
b) Entre os
povos caçadores, a divindade encontra-se no combate até
à morte com as feras ou contra os homens. É o poder
invencível que reclama a submissão dos homens mas que
se comunica a eles.
c) Nos povos
de civilização agrária, Deus é representado
pelas forças da fecundidade e da ordem do universo que garantem
ao homem o alimento, a saúde, a segurança. A morte é
apenas um inverno a que sucede a primavera de novos nascimentos. O
homem é chamado a colaborar espontaneamente neste ciclo de
mortes e renascimentos que observa nos campos e no gado. Pelo sacrifício,
realiza uma permuta maravilhosa oferecendo à divindade as primícias
do que lhe pertence e recebendo em troca todo o tipo de bênçãos.
Mas este sacrifício ganha todo o seu valor graças à
oração que o acompanha. Pode-se, portanto, deduzir que
há no fundo do coração do homem uma luz que lhe
permite estar em contacto com o céu. Procurar esta luz e desenvolvê-la
é o principal objectivo das religiões místicas.
2)
As religiões místicas
Nestas religiões,
e o exemplo mais conhecido é-nos dado pelas religiões
da Índia ou pelas filosofias religiosas da antiguidade greco-romana,
o homem descobre o Absoluto no mistério que habita no fundo do
seu próprio coração. Com efeito, quando reflecte
sobre a sua própria vida, o homem descobre profundezas infinitas
e possibilidades de dominar todo o universo. Mas, paradoxalmente, ao
mesmo tempo que se sente capaz de tudo compreender, percebe que é
fraco, manietado pelas forças da natureza. Essa é a raiz
do mal e do sofrimento. Têm por origem a ilusão (maya),
a mentira pela qual o homem, que tem o Absoluto dentro de si, se prende
às coisas particulares, exteriores e passageiras, para atingir
a libertação (moksha) que é a vida no Absoluto.
É por isso necessário libertar-se de todos os desejos
que ligam os homens às coisas mortais. Este despojamento não
é necessariamente negativo como o da ascese do praticante de
ioga. Na verdade, é dando positivamente tudo o que possui e até
mesmo a sua própria vida, para de nada se apropriar na realidade,
que cada um descobre um dia o seu verdadeiro Eu que é o Absoluto.
O Budismo levou até
ao limite este dom de si. A própria libertação,
descoberta do mistério divino do Nirvana, deve ser comunicada.
O místico transforma-se então em pregador. A missão
de inspiração budista sai da Índia para irradiar
no resto da Ásia e até aos confins da Europa. O Absoluto
aparece agora como manifestação através da influência
histórica dos seus fiéis. Isso leva-nos a considerar um
novo tipo de religiões: as religiões de Império.
3) As religiões
de Império
Quando uma sociedade política
adopta uma atitude religiosa que considera universal, encontra nesta
experiência um ímpeto que a leva a propagar no mundo que
a rodeia a adesão ao mesmo ideal. De certa forma, a percepção
do Absoluto e a percepção das forças de expansão
da sociedade identificam-se. É o que acontece tanto na religião
egípcia, como na assírio-babilónica, na romana
ou na persa. Nos nossos dias, observa-se qualquer coisa de análogo
quando o Ocidente descristianizado identifica a sua expansão
colonial com a cruzada pelo Progresso e pela Liberdade. Tudo o que se
opõe à irradiação do Império é
considerado força do mal. Conforme o caso, representa-se o combate
terrestre como paralelo a um combate celeste entre o princípio
do Bem e o princípio do mal (caso da religião persa antiga)
ou, pelo contrário, divinizam-se reis, imperadores, cidades.
O culto da personalidade do Chefe, a fidelidade patriótica, a
esperança invencível na vitória constituem a verdadeira
religião do povo.
Contudo, mais cedo ou mais
tarde, o Império é destruído sob os golpes de forças
adversas exteriores ou interiores. Então, tem de se ir procurar
noutro local o Absoluto, que até ali se identificava com as forças
políticas. Aquele que não quer regressar à idade
de ouro das religiões da natureza ou evadir-se do mundo numa
contemplação filosófica, é levado a procurar
uma história sagrada em que se possa integrar e que não
seja sujeita à flutuação das civilizações.
Uma figura histórica única, através da qual Deus
se revele e entre em diálogo com o homem, é o que se apresenta
nas religiões saídas do Antigo Testamento.
B - O
Antigo Testamento e as suas continuações
Quando nos aproximamos da
linhagem religiosa judaico-cristã, deparamos com um duplo fenómeno.
Por um lado, estas religiões anunciam uma intervenção
de Deus no mundo; por outro lado, insistem na liberdade do acto de fé
pelo qual o homem adere à palavra de Deus. Vê-lo-emos sucessivamente
no Antigo Testamento e nas suas interpretações simétricas
feitas pelo Judaísmo e pelo Islão.
a) O Antigo Testamento
Por volta do ano 2000
antes da nossa era, um nómada, Abraão, deixa a Mesopotâmia
para se instalar na Palestina, em resposta a um apelo de Deus. A partir
dos seus descendentes constituiu-se um povo. Deus revela-se então
como parceiro deste povo num diálogo que se continua ao longo
de 2000 anos de história. Manifesta-se como uma pessoa que
age, que ama e que, simultaneamente, revela o homem a si próprio
nas suas aspirações infinitas, mas também nas
ingratidões, nos ódios, nos egoísmos do seu coração.
Os caminhos de Deus não são os caminhos do homem. Mas,
apesar da distância insondável que há entre o
Criador e a Sua criatura pecadora, Deus promete aos Seus que um dia
saborearão a unidade com Ele, unidade realizada no Amor. Far-se-á
isso por uma intervenção directa de Deus ou, pelo contrário,
pelo envio de um homem capaz de viver na intimidade de Deus e a ela
conduzir os irmãos? O Antigo Testamento não responde
a esta pergunta.
b) O Judaísmo
Entre os herdeiros do
Antigo Testamento, o Judaísmo é o que recusa qualquer
complemento à revelação contida na Lei, nos Profetas
e nos Livros Sapienciais, naquilo a que os Cristãos chamam
o Antigo Testamento. Contudo, a atitude religiosa judaica não
é idêntica à do povo hebreu de antigamente. A
religião judaica é essencialmente uma religião
do Livro. É na meditação desse Livro e na dos
seus comentários, bem como na obediência minuciosa à
Lei, que se realiza a união com Deus. A promessa de unidade
entre o homem e Deus parece assim desembocar numa atitude que, apesar
da sua grandeza, choca pelos limites do seu particularismo racial
e do seu legalismo literal. Será essa a única participação
possível na Tradição religiosa do Antigo Testamento?
c) O Islão
O Islão recusa
as limitações do Judaísmo. Há qualquer
coisa para além do Antigo Testamento que responde às
questões deixadas em aberto. Maomé é o último
dos profetas. Com ele encerra-se a revelação. Depois
disso, basta esperar o julgamento final em que Deus, transcendente
e misericordioso, acolherá no Paraíso aqueles que professarem
que Ele é o único Deus e tiverem reconhecido a missão
de Maomé. Essa espera não é passiva; pelo contrário,
é necessário cada um pôr todas as suas forças
(incluindo a guerra) ao serviço da comunidade islâmica.
Mesmo que não acredite,
todo o homem é chamado a reconhecer a autoridade de Deus através
do poder político muçulmano. Contudo, a revelação
feita a Maomé permanece consignada num livro: o Alcorão.
Ele mesmo não indica claramente o organismo capaz de o comentar
de uma forma viva. Qual é o sentido deste livro para o homem
de hoje? Eis o que o Islão não sabe definir de uma forma
suficientemente precisa. Desse modo, ele fecha-se irremediavelmente
no passado. E é essa a sua maior dificuldade: como pode ele
ser portador de uma Palavra divina sempre actual?
C - O
Cristianismo
Em relação
aos impasses a que levam o Judaísmo e o Islão, o Cristianismo
traz uma resposta paradoxal. O diálogo entre Deus e o homem,
anunciado na história do povo hebreu, cumpriu-se perfeitamente.
A vinda de Deus à terra e a Elevação total de um
homem à intimidade divina são um único e o mesmo
acontecimento.
O Verbo, Palavra de Deus,
fez-se carne e habitou entre nós, tornando-se esse homem: Jesus
de Nazaré, Filho de Deus.
A revelação
pessoal de Deus aos homens e a resposta perfeita do homem a Deus unem-se
perfeitamente na obediência de Cristo até à morte
e na sua manifestação religiosa por ocasião da
ressurreição. Deus respeita até ao fim, até
á morte do Seu Filho, a liberdade pecadora do homem que se separa
da verdadeira vida e prega Cristo na cruz mas, ao mesmo tempo, Ele é
vitorioso de todo o mal.
Doravante, será a
fé, isto é, a relação pessoal do homem com
Jesus Cristo que se tornará o centro da atitude religiosa. Quem
se une a Cristo, actualmente vivo porque ressuscitado, não tem
que temer nem o julgamento de Deus sobre o pecado, nem o sofrimento,
nem a morte. Num certo sentido, já está ressuscitado,
ou melhor, divinizado, habitado pelo Espírito Santo, tornado
Filho adoptivo de Deus.
Tudo isto está ainda
oculto porque nós ainda não morremos plenamente com Cristo
mas esperamos a Sua volta, momento em que aparecerão claramente
ao mundo inteiro as dimensões do ressuscitado. A Igreja é
o lugar vivo do encontro entre o crente e o seu Senhor. Os sacramentos
que ela propõe são prolongamento dos próprios gestos
de Cristo, ao mesmo tempo que comunicam ao homem a graça de uma
resposta pessoal ou comunitária.
O Cristianismo integra assim
as riquezas das religiões naturais, místicas e sociais,
completando o movimento de revelação do Antigo Testamento.
O Cristianismo apresenta-se desta forma como uma religião perfeita,
último passo do homem que espera a manifestação
plena e total de Deus na vida eterna prometida ao crente.
No entanto, surge uma dificuldade
diante desta totalidade da Revelação: os Cristãos
não estão de acordo entre si :
- Os Protestantes
dão particular importância à maneira como se pode
encontrar Cristo de uma forma pessoal. Insistem no facto de que o
contacto se estabelece sempre que a Palavra de Deus, transmitida pela
Escritura, se torna viva na comunidade dos crentes através
da pregação. As estruturas sacramentais e institucionais
da Igreja servem antes de tudo para a ajudar. Mas pode estar-se realmente
unido a Cristo no Amor sem a sua presença corporal, sem uma
obediência concretas às suas ordens? Por isso, os Católicos
insistem na necessidade de uma Igreja cuja autoridade seja indiscutível
no que diga respeito à fé e que encontre no sacramento
da Eucaristia o centro de onde a presença corpórea de
Cristo, morto e ressuscitado, irradia hoje a Sua acção.
- Os Ortodoxos
estão de acordo com este ponto de vista. O problema que eles
põem situa-se ao nível da organização
da autoridade eclesial. Insistem no facto de que a unidade da Igreja
se faz na caridade. Para isso basta, segundo eles, procurar o acordo,
a harmonia do corpo dos bispo sem ter de se recorrer às medidas
coercivas de uma autoridade romana... Mas não será isso
esquecer o pecado que persiste e que provoca conflitos, mesmo no interior
da Igreja? Não será menosprezar a intenção
de Cristo de fundar o próprio colégio dos apóstolos
como uma instituição hierarquizada, tendo Pedro como
porta-voz? Para evitar esta dificuldade, os Católicos
sublinham a necessidade de um Papa, sucessor de Pedro. Este, como
principal servidor da Unidade, tem o poder de arbitragem definitiva
quando os Cristãos entram em risco de se dividirem sobre questões
de fé e de comportamento eclesial. Eles manifestam assim que
Cristo fez à Sua Igreja um dom total dos Seus privilégios.
A Igreja não é uma multidão que ande à
procura da sua unidade fora de si mesma, numa relação
imediata com a pessoa de Cristo. Essa unidade, Cristo deu-a efectivamente
com os meios de a garantir em qualquer momento da história.
A instituição do papado é, graças à
acção do Espírito Santo, um instrumento e um
testemunho dessa mesma unidade.
QUE COMPORTAMENTO ADOPTAR?
Se o leitor já alguma
vez levantou a questão da diversidade das religiões, isso
significa provavelmente que deseja revivificar as suas próprias
relações com Deus. Para tal, a análise necessariamente
rápida e sumária que acaba de ser feita não será
suficiente. Procurar Deus é um compromisso para toda a vida,
o que supõe em particular três tipos essenciais de esforços
que se condicionam uns aos outros.
a) A oração
Em primeiro lugar, não
é possível pormo-nos em busca de Deus sem um esforço
de oração. Se Deus é Deus, é Ele quem
tem a iniciativa e o homem deve adaptar-se a ela pela sua disponibilidade
e submissão. Não basta aceitar o princípio, é
preciso investir todas as forças afectivas e morais. Para isso,
é indispensável dispormos de tempo para rezar. Ao princípio,
pode ser simplesmente uma invocação do tipo: "Ó
Deus, de quem dizem que és o Amor, se existes, ilumina-me".
Com esta invocação, tentamos realizar, no mais profundo
de nós mesmos, a maior abertura possível à Luz.
Se, no entanto, já tivermos conhecimentos religiosos, temos
de nos servir do que já sabemos sobre Deus para invocar a Sua
vinda.
b) A acção
A segunda atitude é
a de um esforço moral, em direcção aos outros.
Toda a religião exige um passo deste tipo como aplicação
concreta da descoberta de Deus. Recusar uma religião porque
ela é demasiado exigente seria uma desonestidade em que as
razões teóricas não fariam mais que esconder
um egoísmo fundamental. Pelo contrário, é fazendo
a experiência de uma autêntica disponibilidade para com
os irmãos que se aprende um pouco o que pode ser a disponibilidade
para com Deus.
c) O estudo
Mas, quando tentamos lealmente
este duplo esforço de amor, apercebemo-nos da nossa fraqueza,
do nosso pecado. Só uma revelação concreta de
Deus pode abaná-los e reforçar a nossa boa vontade vacilante.
Para isso, e este é o terceiro passo, temos de nos dispor a
penetrar o sentido profundo duma ou doutra religião concreta.
É preciso retomar com novas bases a religião da nossa
infância ou a do meio cultural em que vivemos. Se esta religião
não for a religião cristã, será conveniente
compará-la com a fé de Cristo. Se, pelo contrário,
se tiver sido educado no Cristianismo, pode-se receber uma iluminação
suplementar a partir da consideração em paralelo de
uma ou outra atitude religiosa actual (por exemplo, o Islão
ou uma religião da Índia). A este respeito há
que fazer dois reparos. Em primeiro lugar, há que tomar uma
religião tal como ela é, sem extrair os elementos que
nos possam agradar para rejeitar os outros. Se Deus se revela num
ou noutro contexto, há que respeitar os elementos desse mesmo
facto; senão, tomamo-nos a nós próprios como
fundadores de uma religião, sem termos recebido qualquer missão
para tal. Em segundo lugar, não é preciso tentar examinar
todas as religiões para tomar uma decisão, tal como
não é necessário conhecer todas as jovens do
mundo antes de se escolher aquela que queremos amar. Existe um critério
interno que permite apreciar rapidamente o valor de uma religião.
Encontrar Deus é encontrar a personalidade mais extraordinária
que existe. Ora todo o encontro supõe que se compreenda o seu
interlocutor, que se seja compreendido por ele e que assim aconteça,
no facto do encontro, a nossa própria realização.
Mas, da mesma forma, todo o diálogo é um contacto com
alguém que nos interpela e que perturba os nossos hábitos
de pensar e de agir. Quando se trata de encontrar Deus que é
o Outro por excelência, o Infinito, mas também o Criador,
a própria Sabedoria, então o desajuste e o reajuste
são com certeza imensos. A verdadeira religião responde
perfeitamente às aspirações do homem, ao mesmo
tempo que perturba infinitamente o seu conforto egoísta.
Mas como sabermos que
estamos no bom caminho? Quando estamos com um molho de chaves diante
de uma porta fechada e uma delas abre a fechadura, não é
preciso irmos tentar outra chave. Quando uma atitude religiosa abre
verdadeiramente o coração do homem à irrupção
de Deus, não tem interesse evadirmo-nos para estudos infinitos.
É preciso tentar efectivamente caminhar pelo caminho proposto.
Tal decisão toma-se normalmente de uma forma progressiva. À
força de procurarmos leal e concretamente, aperceber-nos-emos
um dia de que a busca continua mas já não é possível
voltar atrás.
CONCLUSÃO
No fim destas reflexões,
quero testemunhar, como Cristão, que, no combate com Cristo morto
e ressuscitado, homem e Deus, encontrei a possibilidade de uma maravilhosa
amizade divina, vitoriosa do mal, do sofrimento, do pecado, mas também
uma exigência sempre renovada do dom de mim mesmo, do amor. A
Palavra de Cristo deu-me a resposta a todos os grandes problemas da
vida mas, ao mesmo tempo, suscitou novas buscas. Os ajustes e desajustes
suscitados pela descoberta da pessoa de Cristo revelaram-se para mim
com uma amplitude imensa, que o estudo de algumas das grandes religiões
da humanidade não fez mais do que acentuar. Mas este testemunho
é antes de tudo um apelo ao diálogo. Estas linhas apenas
o esboçam; é preciso continuá-lo de viva voz. Não
há caminhada solitária para Deus, porque Deus só
se encontra num diálogo: o importante é aceitá-lo
com verdade. Mas isso supõe uma decisão que ninguém
pode tomar em vez do interessado. Contudo, seja qual for a resposta
a este convite, o leitor pode estar certo de que a oração
fraterna de todos os cristãos o acompanhará na sua busca
para o ajudar e sustentar.
Rencontre - Basilique de Montmartre - cum permissu superiorum.
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