Questões sobre as religiões

TODAS AS RELIGIÕES VALEM O MESMO?

 

O espectáculo dos Hindus que rezam nas margens do Ganges em Benarès ou dos Muçulmanos do Magrebe que param qualquer trabalho e se prosternam em plena rua ao apelo do muezzin coloca sempre ao homem de cultura ocidental uma questão fundamental. Será mesmo o Cristianismo um caminho privilegiado para se chegar a Deus? As outras religiões não serão igualmente boas? A escolha de uma religião não será uma questão de temperamento, de civilização e, em última instância, de lugar de nascimento? Para tentarmos responder a estas perguntas, examinaremos sucessivamente:

I - A atitude do homem em busca de uma religião.

Il - O quadro dos diversos tipos de religião entre as quais é possível escolher.

III - Algumas sugestões práticas para conduzir a procura.

 

EM BUSCA DE UMA RELIGIÃO

Podemos levantar a questão da pluralidade das religiões apenas por curiosidade, mas uma tal atitude de espírito apenas permite um olhar superficial sobre o facto religioso. Tudo se torna diferente quando o homem que se interroga sobre isto, já está em busca de Deus. Com efeito, nesse momento já ele terá descoberto que o Absoluto é uma pessoa perfeitamente livre e soberana. Deseja encontrá-Lo mas sabe que Deus não pode ser alcançado fora de um encontro concreto que Ele próprio marca com cada um. Por isso, o homem tem de interrogar aqueles que se dizem enviados de Deus para saber se a sua missão é realmente verdadeira. Contudo, sente-se derrotado perante a multiplicidade de testemunhos que se lhe oferecem.

a) Elementos comuns em perspectivas contraditórias

Uma primeira solução parece muito simples. Em todas as religiões encontramos ritos semelhantes (refeições, purificação), orações do mesmo tipo (adoração, súplica, acção de graças), imagens aparentadas (criação, catástrofe inicial, fim do mundo, realeza divina), instituições comparáveis (sacerdócio, ensino, consagração a Deus). Mas, ao mesmo tempo, observam-se opções religiosas contraditórias. Não será isso o sinal do mal que rói o coração dos homens? Não seria melhor reduzir todas as religiões a um denominador comum para nele descobrir a marca de Deus? Mas fazer isso seria empobrecer incrivelmente a mensagem de cada uma delas. Equivaleria a estabelecer o retrato-robot de um homem que se assemelharia a uma centena de indivíduos tomados ao acaso.

b) A personalidade de cada religião

Pelo contrário, temos de nos lembrar que, numa religião, é o homem que procura exprimir o seu contacto com Deus a partir de formas humanas de agir. São como que uma língua cujo vocabulário não é infinito. É muito normal que, para exprimir uma purificação, as pessoas se sirvam espontaneamente do símbolo do banho, ou que a autoridade tome a figura de um rei, ou que a criação apareça como uma fabricação do mundo por um Deus artífice. O que conta então não são as imagens utilizadas mas o seu sentido como síntese, a relação com Deus que elas incarnam. Cada religião tem a sua personalidade, a sua originalidade. É no mais profundo de cada uma que é preciso procurar o eco de Deus. Só que, se Deus é único, não parece possível que Se revele aos homens de maneira contraditória. Portanto, na medida em que se opõem, as religiões não podem ser todas reveladas de maneira equivalente. Como se pode então conciliar isso com o facto de que um Deus único seja o Deus de todos os homens? Não será escandaloso que Ele Se revele apenas a alguns privilegiados? Por detrás desta pergunta está escondido um pressuposto: cada homem deseja, mais ou menos conscientemente, que a revelação divina lhe aconteça sem intermediário, à maneira de uma "estrada de Damasco" que o obrigasse a crer. Mas forçar Deus a intervir no mundo deste modo uniforme seria imitar a Sua liberdade e o Seu poder. Parece, pelo contrário, muito mais de acordo com a Sabedoria divina que Deus respeite as liberdades que Ele mesmo criou e que as encarregue de transmitir uma revelação confiada a alguns. Por isso, à acção propriamente divina, há que acrescentar as contra-correntes criadas pela preguiça, pelo egoísmo, pela ignorância, pela fraqueza e pelo pecado dos homens que fazem eco a essa acção. Isto chega para explicar a multiplicidade das religiões.

c) Descobrir uma ordem de valores

Levando ao limite as explicações precedentes, seremos tentados a afirmar que todas as religiões se equivalem, que elas são como veredas que, todas elas imperfeitas, convergem para o único cume da montanha. É evidente que podemos formular esta hipótese mas, mais uma vez, ela reduz o acto da revelação a uma acção única da liberdade divina, repercutida de diversos modos, todos equivalentes. Ora podemos igualmente supor que Deus, com uma pedagogia suprema, não se revele plenamente à primeira mas aja com cautela, preparando pouco a pouco a humanidade para a Revelação definitiva. Só uma tal hipótese corresponde perfeitamente ao facto religioso judaico-cristão. Supõe que as religiões não tenham todas o mesmo valor. Cada uma delas apresenta uma atitude mais ou menos perfeita perante o Absoluto divino; e, ao mesmo tempo, anuncia e promete a plenitude da sua figura histórica limitada.

Pertencer a uma dada religião, aderir a ela com todas as suas forças, é pois ser animado por um impulso divino que conduz à busca. Suponhamos um Hindu que venha em peregrinação a Benarés. Pratica desse modo um acto autêntico de adesão a Deus mas, para ser verdadeiramente religioso, é preciso que descubra que não é um gesto mágico ou supersticioso que lhe garantirá a salvação. É preciso que espere uma graça divina que ultrapasse tudo o que ele experimenta nos ritos que efectua. Em certas circunstâncias, o indivíduo chegará mesmo a captar razões suficientes para deixar a religião em que nasceu e adoptar uma outra que lhe pareça melhor. Em outros casos, tais razões só podem ser descobertas por um observador que se situe numa religião mais alta. É assim que os Judeus e os Muçulmanos compreendem melhor as insuficiências do feiticismo do que os pagãos que vivem subjugados pelo terror do seu feiticeiro.

Nas páginas que se seguem, é um cristão que examina as diversas atitudes religiosas para tentar encontrar a verdade que existe em cada uma delas, bem como o desejo de busca de Deus que as anima e cujo principal veio ele encontra na História Sagrada judaico-cristã.

 

OS TIPOS RELIGIOSOS FUNDAMENTAIS

O estudo das diversas religiões permite classificar em dois tipos fundamentais a atitude do homem perante o Absoluto.

Nas religiões naturais, o homem descobre Deus como criador a partir dos seus vestígios no universo. Responde a este conhecimento com uma reacção espontânea. Mas, nesse momento, toma consciência das suas diversas aspirações insatisfeitas e enfrenta o problema do mal e do sofrimento. O esboço de solução que encontra na sua religião revela-se inadequado e obriga-o a uma nova busca.

As religiões vindas do Antigo Testamento reconhecem Deus a partir da Sua intervenção na história, em que Ele escolhe um povo, o guia e o salva. O Judaísmo e o Islão encontram o sentido desta história na "Palavra de Deus", sob a forma de um Livro. O Cristianismo crê que esta Palavra divina se realizou plenamente no Homem-Deus: Jesus Cristo.

 

A - As religiões naturais

Nas religiões naturais, os comportamentos de homem perante a divindade distinguem-se de acordo com a importância que elas dão, como fontes para o conhecimento de Deus, à mensagem das forças da vida, à da consciência humana ou ainda à constituição social da humanidade.

1) As religiões primitivas

Nas religiões ditas Primitivas, Deus é percebido como o autor da vida. É, por isso mesmo, o senhor da morte. Para se salvar da desgraça, é preciso comungar da força divina e penetrar nos seus segredos.

a) Entre os povos recolectores, a divindade é sentida como uma Providência que garante ao homem a sua ração quotidiana, graças aos frutos que ele encontra na floresta.

b) Entre os povos caçadores, a divindade encontra-se no combate até à morte com as feras ou contra os homens. É o poder invencível que reclama a submissão dos homens mas que se comunica a eles.

c) Nos povos de civilização agrária, Deus é representado pelas forças da fecundidade e da ordem do universo que garantem ao homem o alimento, a saúde, a segurança. A morte é apenas um inverno a que sucede a primavera de novos nascimentos. O homem é chamado a colaborar espontaneamente neste ciclo de mortes e renascimentos que observa nos campos e no gado. Pelo sacrifício, realiza uma permuta maravilhosa oferecendo à divindade as primícias do que lhe pertence e recebendo em troca todo o tipo de bênçãos. Mas este sacrifício ganha todo o seu valor graças à oração que o acompanha. Pode-se, portanto, deduzir que há no fundo do coração do homem uma luz que lhe permite estar em contacto com o céu. Procurar esta luz e desenvolvê-la é o principal objectivo das religiões místicas.

2) As religiões místicas

Nestas religiões, e o exemplo mais conhecido é-nos dado pelas religiões da Índia ou pelas filosofias religiosas da antiguidade greco-romana, o homem descobre o Absoluto no mistério que habita no fundo do seu próprio coração. Com efeito, quando reflecte sobre a sua própria vida, o homem descobre profundezas infinitas e possibilidades de dominar todo o universo. Mas, paradoxalmente, ao mesmo tempo que se sente capaz de tudo compreender, percebe que é fraco, manietado pelas forças da natureza. Essa é a raiz do mal e do sofrimento. Têm por origem a ilusão (maya), a mentira pela qual o homem, que tem o Absoluto dentro de si, se prende às coisas particulares, exteriores e passageiras, para atingir a libertação (moksha) que é a vida no Absoluto. É por isso necessário libertar-se de todos os desejos que ligam os homens às coisas mortais. Este despojamento não é necessariamente negativo como o da ascese do praticante de ioga. Na verdade, é dando positivamente tudo o que possui e até mesmo a sua própria vida, para de nada se apropriar na realidade, que cada um descobre um dia o seu verdadeiro Eu que é o Absoluto.

O Budismo levou até ao limite este dom de si. A própria libertação, descoberta do mistério divino do Nirvana, deve ser comunicada. O místico transforma-se então em pregador. A missão de inspiração budista sai da Índia para irradiar no resto da Ásia e até aos confins da Europa. O Absoluto aparece agora como manifestação através da influência histórica dos seus fiéis. Isso leva-nos a considerar um novo tipo de religiões: as religiões de Império.

3) As religiões de Império

Quando uma sociedade política adopta uma atitude religiosa que considera universal, encontra nesta experiência um ímpeto que a leva a propagar no mundo que a rodeia a adesão ao mesmo ideal. De certa forma, a percepção do Absoluto e a percepção das forças de expansão da sociedade identificam-se. É o que acontece tanto na religião egípcia, como na assírio-babilónica, na romana ou na persa. Nos nossos dias, observa-se qualquer coisa de análogo quando o Ocidente descristianizado identifica a sua expansão colonial com a cruzada pelo Progresso e pela Liberdade. Tudo o que se opõe à irradiação do Império é considerado força do mal. Conforme o caso, representa-se o combate terrestre como paralelo a um combate celeste entre o princípio do Bem e o princípio do mal (caso da religião persa antiga) ou, pelo contrário, divinizam-se reis, imperadores, cidades. O culto da personalidade do Chefe, a fidelidade patriótica, a esperança invencível na vitória constituem a verdadeira religião do povo.

Contudo, mais cedo ou mais tarde, o Império é destruído sob os golpes de forças adversas exteriores ou interiores. Então, tem de se ir procurar noutro local o Absoluto, que até ali se identificava com as forças políticas. Aquele que não quer regressar à idade de ouro das religiões da natureza ou evadir-se do mundo numa contemplação filosófica, é levado a procurar uma história sagrada em que se possa integrar e que não seja sujeita à flutuação das civilizações. Uma figura histórica única, através da qual Deus se revele e entre em diálogo com o homem, é o que se apresenta nas religiões saídas do Antigo Testamento.

 

B - O Antigo Testamento e as suas continuações

Quando nos aproximamos da linhagem religiosa judaico-cristã, deparamos com um duplo fenómeno. Por um lado, estas religiões anunciam uma intervenção de Deus no mundo; por outro lado, insistem na liberdade do acto de fé pelo qual o homem adere à palavra de Deus. Vê-lo-emos sucessivamente no Antigo Testamento e nas suas interpretações simétricas feitas pelo Judaísmo e pelo Islão.

a) O Antigo Testamento

Por volta do ano 2000 antes da nossa era, um nómada, Abraão, deixa a Mesopotâmia para se instalar na Palestina, em resposta a um apelo de Deus. A partir dos seus descendentes constituiu-se um povo. Deus revela-se então como parceiro deste povo num diálogo que se continua ao longo de 2000 anos de história. Manifesta-se como uma pessoa que age, que ama e que, simultaneamente, revela o homem a si próprio nas suas aspirações infinitas, mas também nas ingratidões, nos ódios, nos egoísmos do seu coração. Os caminhos de Deus não são os caminhos do homem. Mas, apesar da distância insondável que há entre o Criador e a Sua criatura pecadora, Deus promete aos Seus que um dia saborearão a unidade com Ele, unidade realizada no Amor. Far-se-á isso por uma intervenção directa de Deus ou, pelo contrário, pelo envio de um homem capaz de viver na intimidade de Deus e a ela conduzir os irmãos? O Antigo Testamento não responde a esta pergunta.

b) O Judaísmo

Entre os herdeiros do Antigo Testamento, o Judaísmo é o que recusa qualquer complemento à revelação contida na Lei, nos Profetas e nos Livros Sapienciais, naquilo a que os Cristãos chamam o Antigo Testamento. Contudo, a atitude religiosa judaica não é idêntica à do povo hebreu de antigamente. A religião judaica é essencialmente uma religião do Livro. É na meditação desse Livro e na dos seus comentários, bem como na obediência minuciosa à Lei, que se realiza a união com Deus. A promessa de unidade entre o homem e Deus parece assim desembocar numa atitude que, apesar da sua grandeza, choca pelos limites do seu particularismo racial e do seu legalismo literal. Será essa a única participação possível na Tradição religiosa do Antigo Testamento?

c) O Islão

O Islão recusa as limitações do Judaísmo. Há qualquer coisa para além do Antigo Testamento que responde às questões deixadas em aberto. Maomé é o último dos profetas. Com ele encerra-se a revelação. Depois disso, basta esperar o julgamento final em que Deus, transcendente e misericordioso, acolherá no Paraíso aqueles que professarem que Ele é o único Deus e tiverem reconhecido a missão de Maomé. Essa espera não é passiva; pelo contrário, é necessário cada um pôr todas as suas forças (incluindo a guerra) ao serviço da comunidade islâmica.

Mesmo que não acredite, todo o homem é chamado a reconhecer a autoridade de Deus através do poder político muçulmano. Contudo, a revelação feita a Maomé permanece consignada num livro: o Alcorão. Ele mesmo não indica claramente o organismo capaz de o comentar de uma forma viva. Qual é o sentido deste livro para o homem de hoje? Eis o que o Islão não sabe definir de uma forma suficientemente precisa. Desse modo, ele fecha-se irremediavelmente no passado. E é essa a sua maior dificuldade: como pode ele ser portador de uma Palavra divina sempre actual?

 

C - O Cristianismo

Em relação aos impasses a que levam o Judaísmo e o Islão, o Cristianismo traz uma resposta paradoxal. O diálogo entre Deus e o homem, anunciado na história do povo hebreu, cumpriu-se perfeitamente. A vinda de Deus à terra e a Elevação total de um homem à intimidade divina são um único e o mesmo acontecimento.

O Verbo, Palavra de Deus, fez-se carne e habitou entre nós, tornando-se esse homem: Jesus de Nazaré, Filho de Deus.

A revelação pessoal de Deus aos homens e a resposta perfeita do homem a Deus unem-se perfeitamente na obediência de Cristo até à morte e na sua manifestação religiosa por ocasião da ressurreição. Deus respeita até ao fim, até á morte do Seu Filho, a liberdade pecadora do homem que se separa da verdadeira vida e prega Cristo na cruz mas, ao mesmo tempo, Ele é vitorioso de todo o mal.

Doravante, será a fé, isto é, a relação pessoal do homem com Jesus Cristo que se tornará o centro da atitude religiosa. Quem se une a Cristo, actualmente vivo porque ressuscitado, não tem que temer nem o julgamento de Deus sobre o pecado, nem o sofrimento, nem a morte. Num certo sentido, já está ressuscitado, ou melhor, divinizado, habitado pelo Espírito Santo, tornado Filho adoptivo de Deus.

Tudo isto está ainda oculto porque nós ainda não morremos plenamente com Cristo mas esperamos a Sua volta, momento em que aparecerão claramente ao mundo inteiro as dimensões do ressuscitado. A Igreja é o lugar vivo do encontro entre o crente e o seu Senhor. Os sacramentos que ela propõe são prolongamento dos próprios gestos de Cristo, ao mesmo tempo que comunicam ao homem a graça de uma resposta pessoal ou comunitária.

O Cristianismo integra assim as riquezas das religiões naturais, místicas e sociais, completando o movimento de revelação do Antigo Testamento. O Cristianismo apresenta-se desta forma como uma religião perfeita, último passo do homem que espera a manifestação plena e total de Deus na vida eterna prometida ao crente.

No entanto, surge uma dificuldade diante desta totalidade da Revelação: os Cristãos não estão de acordo entre si :

- Os Protestantes dão particular importância à maneira como se pode encontrar Cristo de uma forma pessoal. Insistem no facto de que o contacto se estabelece sempre que a Palavra de Deus, transmitida pela Escritura, se torna viva na comunidade dos crentes através da pregação. As estruturas sacramentais e institucionais da Igreja servem antes de tudo para a ajudar. Mas pode estar-se realmente unido a Cristo no Amor sem a sua presença corporal, sem uma obediência concretas às suas ordens? Por isso, os Católicos insistem na necessidade de uma Igreja cuja autoridade seja indiscutível no que diga respeito à fé e que encontre no sacramento da Eucaristia o centro de onde a presença corpórea de Cristo, morto e ressuscitado, irradia hoje a Sua acção.

- Os Ortodoxos estão de acordo com este ponto de vista. O problema que eles põem situa-se ao nível da organização da autoridade eclesial. Insistem no facto de que a unidade da Igreja se faz na caridade. Para isso basta, segundo eles, procurar o acordo, a harmonia do corpo dos bispo sem ter de se recorrer às medidas coercivas de uma autoridade romana... Mas não será isso esquecer o pecado que persiste e que provoca conflitos, mesmo no interior da Igreja? Não será menosprezar a intenção de Cristo de fundar o próprio colégio dos apóstolos como uma instituição hierarquizada, tendo Pedro como porta-voz? Para evitar esta dificuldade, os Católicos sublinham a necessidade de um Papa, sucessor de Pedro. Este, como principal servidor da Unidade, tem o poder de arbitragem definitiva quando os Cristãos entram em risco de se dividirem sobre questões de fé e de comportamento eclesial. Eles manifestam assim que Cristo fez à Sua Igreja um dom total dos Seus privilégios. A Igreja não é uma multidão que ande à procura da sua unidade fora de si mesma, numa relação imediata com a pessoa de Cristo. Essa unidade, Cristo deu-a efectivamente com os meios de a garantir em qualquer momento da história. A instituição do papado é, graças à acção do Espírito Santo, um instrumento e um testemunho dessa mesma unidade.

 

QUE COMPORTAMENTO ADOPTAR?

Se o leitor já alguma vez levantou a questão da diversidade das religiões, isso significa provavelmente que deseja revivificar as suas próprias relações com Deus. Para tal, a análise necessariamente rápida e sumária que acaba de ser feita não será suficiente. Procurar Deus é um compromisso para toda a vida, o que supõe em particular três tipos essenciais de esforços que se condicionam uns aos outros.

a) A oração

Em primeiro lugar, não é possível pormo-nos em busca de Deus sem um esforço de oração. Se Deus é Deus, é Ele quem tem a iniciativa e o homem deve adaptar-se a ela pela sua disponibilidade e submissão. Não basta aceitar o princípio, é preciso investir todas as forças afectivas e morais. Para isso, é indispensável dispormos de tempo para rezar. Ao princípio, pode ser simplesmente uma invocação do tipo: "Ó Deus, de quem dizem que és o Amor, se existes, ilumina-me". Com esta invocação, tentamos realizar, no mais profundo de nós mesmos, a maior abertura possível à Luz. Se, no entanto, já tivermos conhecimentos religiosos, temos de nos servir do que já sabemos sobre Deus para invocar a Sua vinda.

b) A acção

A segunda atitude é a de um esforço moral, em direcção aos outros. Toda a religião exige um passo deste tipo como aplicação concreta da descoberta de Deus. Recusar uma religião porque ela é demasiado exigente seria uma desonestidade em que as razões teóricas não fariam mais que esconder um egoísmo fundamental. Pelo contrário, é fazendo a experiência de uma autêntica disponibilidade para com os irmãos que se aprende um pouco o que pode ser a disponibilidade para com Deus.

c) O estudo

Mas, quando tentamos lealmente este duplo esforço de amor, apercebemo-nos da nossa fraqueza, do nosso pecado. Só uma revelação concreta de Deus pode abaná-los e reforçar a nossa boa vontade vacilante. Para isso, e este é o terceiro passo, temos de nos dispor a penetrar o sentido profundo duma ou doutra religião concreta. É preciso retomar com novas bases a religião da nossa infância ou a do meio cultural em que vivemos. Se esta religião não for a religião cristã, será conveniente compará-la com a fé de Cristo. Se, pelo contrário, se tiver sido educado no Cristianismo, pode-se receber uma iluminação suplementar a partir da consideração em paralelo de uma ou outra atitude religiosa actual (por exemplo, o Islão ou uma religião da Índia). A este respeito há que fazer dois reparos. Em primeiro lugar, há que tomar uma religião tal como ela é, sem extrair os elementos que nos possam agradar para rejeitar os outros. Se Deus se revela num ou noutro contexto, há que respeitar os elementos desse mesmo facto; senão, tomamo-nos a nós próprios como fundadores de uma religião, sem termos recebido qualquer missão para tal. Em segundo lugar, não é preciso tentar examinar todas as religiões para tomar uma decisão, tal como não é necessário conhecer todas as jovens do mundo antes de se escolher aquela que queremos amar. Existe um critério interno que permite apreciar rapidamente o valor de uma religião. Encontrar Deus é encontrar a personalidade mais extraordinária que existe. Ora todo o encontro supõe que se compreenda o seu interlocutor, que se seja compreendido por ele e que assim aconteça, no facto do encontro, a nossa própria realização. Mas, da mesma forma, todo o diálogo é um contacto com alguém que nos interpela e que perturba os nossos hábitos de pensar e de agir. Quando se trata de encontrar Deus que é o Outro por excelência, o Infinito, mas também o Criador, a própria Sabedoria, então o desajuste e o reajuste são com certeza imensos. A verdadeira religião responde perfeitamente às aspirações do homem, ao mesmo tempo que perturba infinitamente o seu conforto egoísta.

Mas como sabermos que estamos no bom caminho? Quando estamos com um molho de chaves diante de uma porta fechada e uma delas abre a fechadura, não é preciso irmos tentar outra chave. Quando uma atitude religiosa abre verdadeiramente o coração do homem à irrupção de Deus, não tem interesse evadirmo-nos para estudos infinitos. É preciso tentar efectivamente caminhar pelo caminho proposto. Tal decisão toma-se normalmente de uma forma progressiva. À força de procurarmos leal e concretamente, aperceber-nos-emos um dia de que a busca continua mas já não é possível voltar atrás.

 

CONCLUSÃO

No fim destas reflexões, quero testemunhar, como Cristão, que, no combate com Cristo morto e ressuscitado, homem e Deus, encontrei a possibilidade de uma maravilhosa amizade divina, vitoriosa do mal, do sofrimento, do pecado, mas também uma exigência sempre renovada do dom de mim mesmo, do amor. A Palavra de Cristo deu-me a resposta a todos os grandes problemas da vida mas, ao mesmo tempo, suscitou novas buscas. Os ajustes e desajustes suscitados pela descoberta da pessoa de Cristo revelaram-se para mim com uma amplitude imensa, que o estudo de algumas das grandes religiões da humanidade não fez mais do que acentuar. Mas este testemunho é antes de tudo um apelo ao diálogo. Estas linhas apenas o esboçam; é preciso continuá-lo de viva voz. Não há caminhada solitária para Deus, porque Deus só se encontra num diálogo: o importante é aceitá-lo com verdade. Mas isso supõe uma decisão que ninguém pode tomar em vez do interessado. Contudo, seja qual for a resposta a este convite, o leitor pode estar certo de que a oração fraterna de todos os cristãos o acompanhará na sua busca para o ajudar e sustentar.

 

Rencontre - Basilique de Montmartre - cum permissu superiorum.

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